Cartão Vermelho para os Pobres

Era um sábado à tarde do dia 15 de abril de 1989, uma tragédia mundialmente conhecida em que quase 100 pessoas saíram pra ver um jogo de futebol entre Liverpool e Nottingham Forest e nunca voltaram para casa.
A tragédia de Hillsborough não foi um caso isolado de um acidente por irresponsabilidade da organização e da polícia. Foi genocídio pensado com o tradicional desprezo das elites econômicas e de quem é pago para manter esse Status Quo contra as vidas, histórias e famílias de quem foi assassinado pela escolha e desprezo das polícia britânica. E também não era apenas uma campanha difamatória do governo e da grande imprensa inglesa contra as vítimas. Era um marco.

Desde então, a tragédia serviu para a aplicação do neoliberalismo extremo no futebol. Serviu para culpar os pobres dos problemas de violência e organização do desporto. Se delimitou os lugares nos estádios, proibiu alambrados e obrigou a todos os lugares na primeira divisão a serem sentados. Essa mudança de tratamento ao público do evento veio junto a um aumento exponencial do preço do ingresso e uma campanha nada sútil de que os problemas anteriores vinham da classe social do público alvo anterior. O esporte de massas agora defendia que seu problema era as massas.
Os estádios melhoraram lá? Muito. Mas pegamos a Bundesliga, primeira divisão do futebol alemão, por exemplo, um ou dois jogos de uma equipe como Liverpool ou Manchester United paga uma temporada completa (17 jogos) de uma equipe como Bayern Munich ou Borussia Dortmund com estádios igualmente confortáveis e modernos, porém, sem usar o álibi da inconveniência dos pobres no espaço.
Alguns anos depois, em São Paulo, na manhã de domingo de 20 de agosto de 1995 as equipes de menores de 20 anos de São Paulo e Palmeiras fariam a final da Supercopa São Paulo de Futebol de Juniores no estádio do Pacaembu, um estádio em reforma e diante da presença inerte de 30 policiais num espaço cheio de entulhos (pedras e caibros). A comemoração palmeirense rapidamente virou uma batalha campal em pleno gramado das duas torcidas. Um torcedor perdeu a vida, o jogo entre Bragantino e Corinthians marcado para logo depois no mesmo estádio em reformas foi adiado e agora, aqueles que têm aversão a pessoas pobres tinham seu álibi, transmitido ao vivo pela televisão, para iniciar um processo semelhante à Inglaterra de culpar “os preços baixos” pela violência foi dado.
Diferentemente do caso europeu, se espalhou as grades segregando os públicos do evento por poder aquisitivo, mas com estratégia semelhante, uma campanha midiática culpando os pobres e um aumento brutal dos preços se seguiu, praticamente esvaziando as arquibancadas e hoje, apesar de uma significativa majoração nos preços, temos estádios mais cheios, porém sem aquela festa que era tão típica das arquibancadas brasileiras, uma burocratização da festa através de um controle estatal e policial dela que não diminuiu a violência mas tornou o esporte do povo um mero programa de TV para a infinita maioria do público.
Nesse caso, eu acompanhei de perto, diferentemente do caso inglês, já que frequento estádios desde 1993 e pude testemunhar essa agressão ao popular em troca do mais vil metal. Algo simbólico disso é o fim das gerais em estádios como o Maracanã, espaço dedicado à população mais pobre ver o jogo em pé. Em ambos os casos, a violência e a desorganização dos eventos foram propositalmente creditadas a população mais pobre e o esporte mais popular do mundo virou um instrumento de propaganda dessa ideologia que dinheiro vale muito mais que culturas e vidas que não geram o único valor que os donos do poder acreditam, o ter dinheiro.

Leia também

Pobres se expressando? Chama a polícia!
Luiz Ricas Recentemente a prefeitura de Diadema anunciou a compra de drones militares para atacar gás lacrimogêneo especificamente em fluxos (em SP em locais onde não tem bailes, geralmente em que jovens se encontram ao som de carros tocando funk). Ano passado tivemos mais uma lei criminalizando uma manifestação cultural popular por essas bandas, no caso em específico, em Campinas a Câmara local está discutindo uma lei que proíbe funk nas escolas, lei essa que é a enésima tentativa de criminalizar o gênero e mantém uma larga tradição das classes dominantes manter o controle dos corpos, sexualidade e mentes dos povos através do Estado.

As policias, o ódio ao pobre e a ditadura que não passou para muitas pessoas
Paulo Escobar Um jovem de 15 anos é agredido na estação do metrô Belém na zona leste de São Paulo, o crime pedir dinheiro para um lanche para as pessoas que passavam pela estação, os violadores do seu corpo são os policiais do metrô, aqueles que dizem serem seguranças, mas que possuem as mesmas ações e preconceitos […]

Na cidade mais rica da América Latina há famílias inteiras morando nas ruas.
Karen Garcia “A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte A gente não quer só comida A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida como a vida quer…” - Comida, Titãs.

Você enxerga a relação entre pobreza e violência de gênero?
Larissa Santos A aversão aos pobres como a base das discriminações sociais A pobreza atua como um intensificador de preconceitos. Carregada de estigmas históricos e sociais, ela potencializa formas de discriminação que atravessam a existência de inúmeros indivíduos. É nesse contexto que a filósofa espanhola Adela Cortina, responsável por cunhar o termo “aporofobia”, inicia seu livro Aporofobia, […]