30 de outubro de 2025 / 4 min

Ensinar a pescar ou redistribuir os peixes?

Você provavelmente já ouviu a expressão: “é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”, principalmente quando se trata das políticas sociais de distribuição de renda ou de auxílios destinados à sobrevivência das pessoas pobres. É preciso, no entanto, analisar essa retórica com maior cuidado. Quando examinada em profundidade, percebe-se que ela possui pouca […]
Larissa Santos
Opiniões
Os ODS concentram se na eliminacao da pobreza e na oferta de oportunidades e de prosperidade as pessoas Foto Anna Kari OMS e1745524144910
Ensinar a Pescar Estereótipo Estigmatização Meritocracia Políticas Sociais Preconceito Redistribuição de Renda

Você provavelmente já ouviu a expressão: “é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”, principalmente quando se trata das políticas sociais de distribuição de renda ou de auxílios destinados à sobrevivência das pessoas pobres. É preciso, no entanto, analisar essa retórica com maior cuidado. Quando examinada em profundidade, percebe-se que ela possui pouca aplicabilidade diante da complexidade do fenômeno da pobreza. É essencial questionar: há, de fato, peixes disponíveis para todos pescarem?

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Ao acreditar nessa retórica, assume-se que a pobreza decorre única e exclusivamente da disponibilidade pessoal e do esforço individual. Como se a oferta de cursos profissionalizantes ou o trabalho árduo fossem suficientes para resolver um dilema histórico, profundamente enraizado e agravado ao longo dos séculos.

Parece-me, aqui, que o objetivo é a isenção: isenta-se do problema que é a pobreza e de suas consequências, como se a questão estivesse no mérito individual. “Eles não se esforçaram o suficiente.” E, a partir dessa conclusão, resta pouco a ser feito. Isenta-se da culpa, da responsabilidade e da urgência de transformação estrutural.

Contudo, é possível perceber que, em muitos contextos, ensinar a pescar pode não surtir efeito algum. Ao refletirmos sobre a realidade dos pobres em áreas rurais, onde a pobreza tende a se agravar, dada a inserção em regiões economicamente deprimidas, torna-se quase impensável que encontrem trabalhos dignos, estáveis e com remuneração adequada. Já em contextos urbanos, deparamo-nos com a lógica da “massa marginal”: trabalhadores que não têm empregos fixos e formam uma reserva disposta a aceitar qualquer ocupação para garantir a subsistência. Os peixes, aqui, estão adoecidos, não são bons para o consumo. Isto é, mesmo que haja trabalhos a serem feitos, qual a qualidade de vida que eles ofertam?

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Por isso, a reflexão necessária não deve se restringir à ideia de “ensinar a pescar”, mas, sim, abranger uma crítica ao próprio modo de produção que distribui os peixes saudáveis de forma profundamente desigual. Enquanto essa transformação estrutural parecer distante, é importante apostar em políticas sociais que ultrapassem a lógica da mera sobrevivência e tenham em seu horizonte a emancipação, a redução das desigualdades e a redistribuição efetiva de oportunidades e recursos.

Ser contrário a esse tipo de política revela não apenas resistência à justiça social, mas também uma postura de desprezo em relação à classe pobre, que é constantemente associada, de forma injusta, à preguiça, à falta de esforço e à dependência estatal. Tais visões refletem preconceitos entranhados no imaginário popular que não possuem fundamento.

Antes de responsabilizar o indivíduo pobre por sua condição, é preciso considerar seu contexto histórico, seus marcadores sociais de raça e gênero, as estruturas do modo de produção capitalista e o interesse sistêmico na existência de uma população disposta a aceitar qualquer condição de trabalho. É fundamental reconhecer a ausência de empregos dignos e estáveis como um problema estrutural. Os pobres não são carentes de intelecto, nem de esforço. Muito pelo contrário. Eles são economistas sofisticados que sobrevivem dia por dia, mês por mês, com apenas 600 reais. São indivíduos que sustentam uma família inteira com menos de um salário mínimo. Poucos conseguiriam fazê-lo.

Portanto, da próxima vez que alguém se propuser a “ensinar a pescar”, que antes se certifique de que há peixes bons, saudáveis e suficientes para todos.

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