28 de novembro de 2023 / 15 min

Projeto de Lei contra Arquitetura Hostil em espaços públicos

Você já ouviu falar sobre arquitetura hostil?  Essa é uma realidade perturbadora que tem afetado nossas cidades, tornando espaços públicos inóspitos. Mas há uma boa notícia: uma lei está provocando uma reviravolta nessa história.  Neste artigo, exploraremos o que é a arquitetura hostil, como ela impacta a sociedade e como a “Lei Padre Júlio Lancellotti” […]
Tais Oliveira
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Projeto de Lei contra Arquitetura Hostil em espaços públicos

Você já ouviu falar sobre arquitetura hostil? 

Essa é uma realidade perturbadora que tem afetado nossas cidades, tornando espaços públicos inóspitos. Mas há uma boa notícia: uma lei está provocando uma reviravolta nessa história. 

Neste artigo, exploraremos o que é a arquitetura hostil, como ela impacta a sociedade e como a “Lei Padre Júlio Lancellotti” está transformando nosso entendimento de espaços públicos. 

Prepare-se para descobrir como essa lei pode tornar nossas cidades mais inclusivas e acolhedoras.

Arquitetura Hostil: Entendendo o problema

Você já passou por uma praça ou rua e notou bancos desconfortáveis, espinhos nas janelas, pedras ásperas no chão ou até mesmo cercas eletrificadas? 

Esses são exemplos de arquitetura hostil, uma tendência crescente em áreas urbanas em todo o mundo. Mas o que exatamente é a arquitetura hostil e por que ela está se tornando tão comum?

O que é arquitetura hostil?

A arquitetura hostil, também conhecida como “arquitetura defensiva” ou “arquitetura anti-mendigo”, refere-se a projetos urbanos deliberadamente concebidos para afastar pessoas em situação de rua, idosos e outros grupos vulneráveis de espaços públicos.

Isso inclui a instalação de elementos físicos desconfortáveis, como pregos, pinos metálicos, pedras ásperas, jatos de água, divisórias em bancos de praças e cercas eletrificadas ou de arame farpado. 

O resultado é a criação de ambientes inóspitos, que dificultam o acesso e a permanência dessas pessoas nos espaços públicos.

As razões por trás da Arquitetura Hostil

As motivações por trás da arquitetura hostil são variadas e complexas. Aqui estão algumas das principais razões por trás dessa prática:

  • Segurança e Propriedade: Muitos argumentam que a arquitetura hostil é uma resposta à preocupação com a segurança e a preservação da propriedade. Acredita-se que a presença de pessoas em situação de rua possa afetar negativamente a segurança e a valorização imobiliária de uma área.
  • Gentrificação: Em alguns casos, a arquitetura hostil está ligada à gentrificação, um processo no qual áreas urbanas são revitalizadas para atrair investimentos e moradores mais ricos. Isso pode levar à expulsão dos moradores originais, incluindo pessoas em situação de rua.
  • Estigmatização: A sociedade muitas vezes estigmatiza pessoas em situação de rua, vendo-as como um incômodo ou ameaça. A arquitetura hostil reflete essa visão preconceituosa e busca afastar essas pessoas dos espaços públicos.
  • Falta de soluções adequadas: A ausência de políticas públicas eficazes para lidar com a situação de pessoas em situação de rua pode levar à adoção de medidas paliativas, como a arquitetura hostil, em vez de abordar as raízes do problema.

Embora a arquitetura hostil possa ser eficaz em afastar temporariamente pessoas em situação de rua, ela não aborda as causas subjacentes da falta de moradia e levanta questões importantes sobre justiça social e direitos humanos. 

À medida que a conscientização sobre esse problema cresce, surgem esforços para proibir ou regular essas práticas, promovendo espaços públicos mais inclusivos e acolhedores para todos.

Impacto da Arquitetura Hostil na sociedade

A divisória do banco da praça restringe o seu uso e impede que pessoas em situação de rua possam utilizá-lo para descansar
Foto Flickr

A arquitetura hostil é mais do que apenas um conjunto de elementos desconfortáveis em espaços públicos; é uma manifestação física da exclusão social. Essa prática contribui significativamente para a discriminação e invisibilidade dessa população já marginalizada.

Discriminação e estigmatização

A presença de elementos hostis, como pinos metálicos em bancos públicos ou pedras ásperas nas calçadas, envia uma mensagem clara de que determinados grupos não são bem-vindos nos espaços públicos. 

Isso resulta em discriminação e estigmatização, perpetuando a ideia de que as pessoas em situação de rua são indesejadas e devem ser excluídas da sociedade.

Invisibilidade social

A arquitetura hostil também contribui para a invisibilidade da população em situação de rua. Ao criar barreiras físicas que tornam impossível encontrar abrigo ou descanso nos espaços públicos, essas pessoas são empurradas para as margens da sociedade, fora do campo de visão da maioria das pessoas. 

Essa invisibilidade social torna mais fácil ignorar os problemas enfrentados por essa população e impede a conscientização pública sobre a falta de moradia.

Consequências sociais

A exclusão dessas pessoas dos espaços públicos pode ter consequências sociais graves. Isoladas e desprotegidas, elas ficam mais vulneráveis a abusos, violência e exploração.

A falta de acesso a locais públicos limita as oportunidades de interação social e networking, tornando ainda mais difícil sair da situação de rua.

Impacto psicológico

A arquitetura hostil também tem um impacto psicológico profundo na população em situação de rua. Viver em um ambiente constantemente hostil pode causar estresse crônico, ansiedade e depressão. 

A sensação de ser indesejado e invisível pode minar a autoestima e a saúde mental dessas pessoas, tornando ainda mais difícil superar os desafios que enfrentam.

Padre Júlio Lancellotti: Inspiração para a mudança

Ação contra arquitetura hostil Pe. Julio Lancellotti

A cidade de São Paulo, assim como muitas outras metrópoles, enfrenta o desafio constante de lidar com a população em situação de rua. 

Entre os muitos que se dedicam a ajudar essas pessoas, o Padre Júlio Lancellotti se destaca como um verdadeiro defensor dos direitos humanos e da dignidade das pessoas em situação de vulnerabilidade.

Uma história de acolhimento

Padre Júlio Lancellotti é conhecido em São Paulo e além de suas fronteiras pelo incansável trabalho de acolhimento às pessoas em situação de rua. 

Sua jornada começou em 1986, quando assumiu a Paróquia São Miguel Arcanjo, situada no bairro do Glicério, região central da capital paulista. Desde então, ele se dedicou a uma missão humanitária de auxiliar os mais necessitados.

O ataque à “Arquitetura Hostil”

Em sua trajetória, Padre Júlio se deparou com uma prática urbana preocupante: a instalação de estruturas hostis em espaços públicos. 

Esses elementos, como pinos metálicos nas calçadas, muros com cacos de vidro e outros dispositivos, tinham o objetivo claro de afastar as pessoas em situação de rua desses locais.

A ação que inspirou a mudança

Movido por um profundo senso de justiça social, Padre Júlio protagonizou um ato que chamou a atenção do Brasil e do mundo. 

Em um ato de protesto contra a “arquitetura hostil”, ele pegou uma marreta e removeu pedras pontiagudas instaladas sob um viaduto pela prefeitura de São Paulo. Sua mensagem era clara: em vez de hostilizar, precisamos acolher.

A Lei Padre Júlio Lancellotti

Esse ato heroico não passou despercebido. Inspirados por sua coragem e dedicação, políticos, ativistas e defensores dos direitos humanos se uniram para transformar essa inspiração em ação legislativa. 

O resultado foi a “Lei Padre Júlio Lancellotti”, que proíbe a utilização de técnicas hostis em espaços públicos, visando garantir o conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade a todos.

Um movimento contra a Arquitetura Hostil

Padre Júlio também desempenhou um papel fundamental na criação do Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga, uma iniciativa que denuncia locais em todo o país que adotam arquitetura hostil para afastar as pessoas em situação de rua. Aporofobia, termo que denota aversão aos pobres, é algo que ele está determinado a combater.

Lei Padre Júlio Lancellotti: O que ela proíbe e por quê

A “Lei Padre Júlio Lancellotti,” também conhecida como Projeto de Lei 488/21, é um marco importante na busca por espaços urbanos mais acolhedores e inclusivos. 

Ela proíbe a utilização de técnicas construtivas hostis em espaços públicos, especialmente aquelas que têm como alvo pessoas em situação de rua e outros segmentos vulneráveis da população.

O que são técnicas construtivas hostis?

Técnicas construtivas hostis referem-se a práticas urbanas que visam afastar ou tornar desconfortável a presença de certos grupos nos espaços públicos. Entre as técnicas banidas pela lei estão:

  • Pinos metálicos pontiagudos: Instalados nas calçadas, esses pinos são projetados para impedir que pessoas se sentem ou deitem nesses locais.
  • Cercas eletrificadas ou de arame farpado: Utilizadas em áreas públicas, essas cercas são claramente hostis e perigosas, representando um risco à integridade física das pessoas.
  • Muros com cacos de vidro: Muros com pedaços de vidro quebrado são uma forma agressiva de evitar que alguém suba ou se apoie neles.
  • Pedras ásperas e pontiagudas: Superfícies ásperas e pontiagudas são instaladas em locais onde alguém poderia se sentar ou deitar, tornando esses espaços desconfortáveis e inacessíveis.

A busca pelo conforto e inclusão

O objetivo da “Lei Padre Júlio Lancellotti” é claro: promover o conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade nos espaços públicos. Ela busca garantir que todos, independentemente de sua situação socioeconômica, possam usufruir desses espaços de maneira digna e segura.

Uma mudança de paradigma

Essa legislação representa uma mudança importante na abordagem das políticas urbanas. Ao invés de criar ambientes hostis e segregados, a lei incentiva a inclusão, a coexistência pacífica e o respeito pela diversidade.

O caminho a seguir

A “Lei Padre Júlio Lancellotti” é um passo crucial na direção de cidades mais humanas e justas. Ela não apenas proíbe práticas hostis, mas também envia uma mensagem poderosa sobre a necessidade de repensar o design urbano de forma inclusiva. 

Trata-se de uma vitória em prol dos direitos humanos e do bem-estar de todos os cidadãos, independentemente de sua condição social.

Resistência e combate à Arquitetura Hostil

Movimentos coletivos em defesa dos direitos humanos

Além das ações individuais, várias organizações e grupos se uniram para combater a arquitetura hostil. Projetos como o Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga denunciam locais que adotam práticas hostis em todo o país. 

Ações coletivas, como a do grupo “Arte Contra a Barbárie”, que realizou uma intervenção artística em um banco de praça com divisórias no centro de São Paulo, cobrindo-o com tecidos coloridos e flores, e colocando uma placa com os dizeres “A cidade é para todos”. O grupo também fez outras intervenções em locais com arquitetura hostil, como grades, espetos e pedras.

O papel dos projetos de Lei

A legislação desempenha um papel crucial na transformação das cidades. A “Lei Padre Júlio Lancellotti” é um exemplo de como os projetos de lei podem proibir práticas hostis e promover ambientes urbanos mais inclusivos. 

Ela é um lembrete de que as leis podem ser usadas para criar mudanças positivas e garantir que todos tenham acesso igualitário aos espaços públicos.

Campanhas

Campanhas de conscientização, como a do coletivo “Arquitetas (in)Visíveis”, que criou uma série de cartazes com frases provocativas sobre a arquitetura hostil, como “A cidade é um direito humano” e “Arquitetura hostil é violência urbana”. O coletivo também promove debates, oficinas e publicações sobre o tema.

Design Inclusivo: Alternativa à Arquitetura Hostil

O design inclusivo é uma abordagem que busca criar ambientes que acolham e atendam às necessidades de todas as pessoas, independentemente de suas habilidades, idade, gênero, ou qualquer outra característica. 

Este conceito vai além da estética e se concentra na promoção da diversidade e na garantia da dignidade humana..

Celebrando a diversidade

O design inclusivo celebra a diversidade da população. Em vez de excluir certos grupos, ele os inclui de forma ativa na concepção de espaços públicos, edifícios e produtos. 

Isso significa considerar as necessidades de pessoas com mobilidade reduzida, idosos, crianças, bem como aqueles que podem ter deficiências visuais, auditivas ou cognitivas. O objetivo é criar ambientes que sejam acessíveis e acolhedores para todos.

Acessibilidade em primeiro lugar

Um dos pilares do design inclusivo é a acessibilidade. Isso envolve a remoção de barreiras físicas, como degraus, e a inclusão de rampas, elevadores e outras medidas que tornem os espaços acessíveis a todos. 

Mas vai além disso, também considera a acessibilidade digital, garantindo que sites e aplicativos sejam usáveis por pessoas com deficiência.

Promovendo a dignidade humana

O design inclusivo respeita a dignidade de todas as pessoas. Ele evita a segregação e a estigmatização, promovendo um senso de pertencimento e igualdade. 

Isso é especialmente importante em espaços públicos, onde a arquitetura hostil costuma ser usada para afastar certos grupos. O design inclusivo, ao contrário, busca criar espaços onde todos se sintam bem-vindos.

Um futuro mais inclusivo

À medida que a conscientização sobre o design inclusivo cresce, vemos uma mudança positiva na forma como projetamos nossas cidades e edifícios. Isso não apenas beneficia aqueles que costumam ser excluídos, mas toda a sociedade. 

O design inclusivo promove a igualdade de oportunidades, a participação ativa e a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Arquitetura Hostil e Gentrificação: Uma Conexão Inesperada

A gentrificação, um fenômeno urbano que tem transformado muitas cidades ao redor do mundo, guarda uma relação complexa com a arquitetura hostil. Entender essa conexão é essencial para compreendermos como práticas hostis podem contribuir para a elitização e segregação de áreas urbanas.

O que é gentrificação?

A gentrificação é o processo pelo qual bairros outrora degradados ou historicamente habitados por comunidades de baixa renda passam por revitalização e valorização imobiliária. 

Esse processo muitas vezes resulta na expulsão dos moradores originais devido ao aumento dos preços dos imóveis, tornando as áreas mais atrativas para pessoas de maior poder aquisitivo.

A Arquitetura Hostil como instrumento de gentrificação

Aqui é onde a arquitetura hostil entra em jogo. Em alguns casos, a adoção de práticas hostis em espaços públicos ou edifícios pode ser usada como uma estratégia sutil para afastar moradores em situação de rua ou outros grupos marginalizados. Isso, por sua vez, contribui para tornar a área mais atraente para investidores e compradores de imóveis.

Repensando o desenvolvimento urbano

Para abordar essa complexa relação entre arquitetura hostil, gentrificação e exclusão, é essencial repensar o desenvolvimento urbano.

Isso inclui políticas que promovam a inclusão, o acesso à moradia acessível e a revitalização de bairros sem causar a expulsão de moradores originais. É um desafio, mas é fundamental para a construção de cidades verdadeiramente equitativas.

Unindo forças contra Arquitetura Hostil: A hora de agir é agora

É fundamental reconhecer que a arquitetura hostil não é apenas uma questão de design urbano; é uma questão de direitos humanos e justiça social. Ela afeta a vida de pessoas que já enfrentam desafios significativos, tornando-as ainda mais vulneráveis e marginalizadas.

O que podemos fazer?

  • Advogar por Leis e Políticas inclusivas: Apoiar projetos de lei como a “Lei Padre Júlio Lancellotti” que proíbem práticas hostis é um passo na direção certa. Continuar a pressionar por políticas que promovam a inclusão e a acessibilidade em nossas cidades é essencial.
  • Promover o design inclusivo: À medida que discutimos alternativas à arquitetura hostil, o design inclusivo emerge como uma solução promissora. Encorajar arquitetos e urbanistas a criar espaços acessíveis e acolhedores para todos é uma parte vital do processo.
  • Participação ativa: Como cidadãos, podemos nos envolver ativamente no desenvolvimento de nossas comunidades. Isso inclui participar de audiências públicas, votar em questões urbanas e apoiar organizações que trabalham para combater a discriminação e a exclusão.
  • Educação e conscientização: Compartilhar conhecimento sobre as ramificações da arquitetura hostil e gentrificação é fundamental. Quanto mais pessoas estiverem cientes dessas questões, maior será a pressão para a mudança.

Juntos, podemos criar cidades onde todos tenham a oportunidade de prosperar, independentemente de sua situação socioeconômica. É hora de unir forças, agir e criar um futuro mais inclusivo para todos!

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