Pobres se expressando? Chama a polícia!

“A música ________ é imoral, pobre e influencia negativamente seus ouvintes”. A linha pode ser substituída por nomes de gêneros musicais de origem popular como jazz (EUA/Europa dos anos 1930), samba (Brasil até os anos 1960), rock (até os anos 1990), forró e suas variáveis, desde sempre ou mais atualmente o funk brasileiro. O gênero, a época de e o local de origem mudam, mas o discurso é sempre impressionantemente idêntico. A única coisa que nunca muda é a origem social dos artistas e público atacados por essas falas.

MÚSICA E OUTRAS ARTES POPULARES SEMPRE FORAM CASO DE POLÍCIA!
Recentemente a prefeitura de Diadema anunciou a compra de drones militares para atacar gás lacrimogêneo específicamente em fluxos (em SP em locais onde não tem bailes, geralmente em que jovens se encontram ao som de carros tocando funk). Ano passado tivemos mais uma lei criminalizando uma manifestação cultural popular por essas bandas, no caso em específico, em Campinas a Câmara local está discutindo uma lei que proíbe funk nas escolas, lei essa que é a enésima tentativa de criminalizar o gênero – e mantém uma larga tradição das classes dominantes manter o controle dos corpos, sexualidade e mentes dos povos através do Estado.

Sempre que surge uma manifestação popular, geralmente de origem afro ou de uma confluência entre as artes dos povos locais, descendentes de oriundos da África e mesmo com elementos do colonizador, com uma forte influência social a resposta das “elites” intelectuais e econômicas agem da mesma forma: desqualificam técnicamente e moralmente, creditando uma piora moral do público dessa manifestação.Isso aconteceu com samba, forró, reggae town, jazz, rock, tango, entre muitos outros, o que vemos agora acontecer em tempo real com o funk brasileiro.

Podemos citar alguns exemplos como o tango era proibido que até ser apropriado culturalmente pelos brancos, existia uma tese que o passo de rosto grudado seria pra não tirar o olho da porta e dar tempo de fugir caso a polícia aparecesse. No final do século 19 e início do século 20, portar um pandeiro ou um berimbau davam trinta dias de cadeia no RJ. Em meados dos anos 1920 dançar jazz em público em Nova Iorque também dava ruim. As leis no sul dos EUA os locais onde podiam ou não tocar jazz, que aliás era um termo pejorativo. No mesmo país, nos anos 1980 tentaram criminalizar e censurar o rock diversas vezes, com diversos julgamentos de crimes que a sociedade vinculava ao gênero. Nos anos 1990 em em terras paulistas era comum a polícia interromper shows de rap e prender os músicos no palco.

Ainda hoje, por exemplo, na década passada num show do Mc Poze os policiais além de prenderem o artista ainda atacaram o público de cima do palco. Rio de Janeiro e São Paulo são cidades que sofreram reformas urbanas com o intuito de desapropriar, demolir e construir em cima de espaços de cultura popular nos centros dessas cidades. E poderíamos citar outros mil exemplos.
REPRESSÃO AOS CORPOS E MENTES DOS MAIS POBRES
Sempre se usou as artes, em especial a música para definir o que é cultura aceitável (vindo das classes e povos dominantes) e o que deve ser reprimido (culturas populares em geral), uma forma de dominar alguém é fazê-lo se sentir inferior e dependente assim usando a música, cinema. literatura para exaltar a cultura da matriz em detrimento da colônia que em nome da civilização e da cultura “sofisticada” deve ser reprimida.

Teve um psicanalista chamado Wilhelm Reich que na primeira metade do século passado chocou as pessoas ao pesquisar os efeitos físicos, psicológicos e até políticos da repressão à sexualidade e por consequência ao corpo e seu movimentar. Essa contínua repressão gera dores, anula o movimento físico, o agir, o sentir e o poder de mobilização das pessoas, a tensão gerada por essa repressão cultural sexual seria a forma de travar o corpo das pessoas assim garantindo a ausência de ação e expressão fora do já estabelecido e aceito. Ou seja, qualquer manifestação popular que esteja liberta das amarras sexuais será perseguida e não recomendada pelos “bons costumes”.
Anular a cultura impede o movimento, a sensação e a busca por liberdade (e por consequência, por justiça) e a noção do pertencer dos povos. O fato de uma manifestação ser por décadas perseguida até ser substituída por uma nova já é modo de operação recorrente daqueles que controlam o mundo.
CONDENÁVEL ATÉ VIRAR UM PRODUTO “DOMESTICÁVEL
Geralmente após algumas décadas, se passa por um processo de apropriação cultural e depois de ser aceito pela classe e etnia dominante viram “armas” de soft power dos países que pouco tempo antes criminalizavam se tornando o símbolo cultural do país que não tinha pudor em tratar como crime a mesma manifestação pouco tempo antes. Ou seja, o controle dos corpos e mentes do povo sempre foi uma arma utilizada para subjugar, controlar e oprimir as pessoas já renegadas pela sociedade.

Cultura nas colônias sempre foi caso de polícia, preconceito e repressão quando surgem até ficar “útil” para os ricos venderem o país que eles antes se envergonhavam. Sempre…
#pobrefobia #aporofobia #repressãocultural #repressãopolicial #música #arte #dança #samba #funk #jazz #rock #tango #capoeira #criminalização
Leia também

As policias, o ódio ao pobre e a ditadura que não passou para muitas pessoas
Paulo Escobar Um jovem de 15 anos é agredido na estação do metrô Belém na zona leste de São Paulo, o crime pedir dinheiro para um lanche para as pessoas que passavam pela estação, os violadores do seu corpo são os policiais do metrô, aqueles que dizem serem seguranças, mas que possuem as mesmas ações e preconceitos […]

Na cidade mais rica da América Latina há famílias inteiras morando nas ruas.
Karen Garcia “A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte A gente não quer só comida A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida como a vida quer…” - Comida, Titãs.

Cartão Vermelho para os Pobres
Luiz Ricas Era um sábado à tarde do dia 15 de abril de 1989, uma tragédia mundialmente conhecida em que quase 100 pessoas saíram pra ver um jogo de futebol entre Liverpool e Nottingham Forest e nunca voltaram para casa. A tragédia de Hillsborough não foi um caso isolado de um acidente por irresponsabilidade da organização e […]

Você enxerga a relação entre pobreza e violência de gênero?
Larissa Santos A aversão aos pobres como a base das discriminações sociais A pobreza atua como um intensificador de preconceitos. Carregada de estigmas históricos e sociais, ela potencializa formas de discriminação que atravessam a existência de inúmeros indivíduos. É nesse contexto que a filósofa espanhola Adela Cortina, responsável por cunhar o termo “aporofobia”, inicia seu livro Aporofobia, […]