Um Outro Mundo Possível e “Os(As) Anônimos(as)”
Do lado de baixo, no dia a dia, há pessoas levando comida, procurando caminhos de dignidade e resistindo ao sistema que insiste na morte dos mais pobres, fazendo aquelas micro revoluções que não estão em horário nobre ou que gera pouca comoção nas maquinas midiáticas ou redes sociais.
Alguns meios políticos, às vezes alguns politólogos, indicam uma derrubada sistêmica, num futuro, onde pobres e mais pobres terão dignidade, essa visão macro de um sistema mundial mais justo. Assim são alguns meios religiosos que dizem que num futuro, com a volta de um messias, a sociedade será mais justa, que lá não haverá mais dor e sofrimento, no futuro, mas tanto uma como na outra ideia os pobres e os mais pobres devem esperar?
Existem os muitos acadêmicos, que estão nas bolhas universitárias investigando teorias, pensando o mundo com seus pares, produzindo o tal conhecimento de forma vertical e excludente, apontando caminhos para os pobres, mas sem os pobres. Para estes os pobres e mais pobres um dia também terão a dignidade e quem sabe suas empregadas também nesse futuro tenham uma vida melhor também. E hoje?
Há os que a partir do conforto, conectados a redes pensam pelos pobres, imaginam o que eles vivem ou equiparam seus problemas aos dos mais pobres, mas temem revoluções presentes, pensam mais no futuro, pois mexer no presente seria talvez mexer nos privilégios que possuem no hoje. Penso que grandes mudanças estruturais são temidas até pelos chamados progressistas ou alguns da esquerda, pois será que vale a pena mexer nos privilégios agora? Os pobres podem esperar, no futuro todos terão os mesmos privilégios que eles usufruem no presente.
Em um mundo neoliberal que prioriza o instantâneo, o superficial, os segundos numa foto ou organizações verticais, os ídolos, ou exitosos, mas mesmo nessas construções verticais e vanguardistas, há muitas pessoas nos chamados bastidores, que parecem invisíveis em meio a essas lutas. Até que ponto pessoas devem ser lenha em prol de uma liderança? Ate que ponto nos aproximamos de uma luta pelos ídolos individuais e não pelo povo alvo das lutas sociais?
Mas somos contemporâneos com pessoas que lutam ao redor do mundo, de forma “anônima”, no dia a dia como parte da vida, que não estão nos meios de comunicação, mas se movem pelo(a) outro(a) que sofre, as vezes pobres ajudando os mais pobres. Pessoas que fazem de suas vidas um ato de resistência, que ao passar pelas realidades não ficam indiferentes, que pensaram na revolução no hoje, agora, já, porque quem tem fome, tem pressa.
Há que se pensar na utopia, ela que nos move, eu particularmente acredito naquela utopia zapatista, o mundo onde cabem muitos mundos, de forma horizontal, onde as subjetividades são levadas em consideração. Mas assim como os zapatistas a utopia já é agora, e amanhã também, o outro mundo possível é construído em vários lugares, diferentes culturas e de forma solidaria, por gente que jamais terá os holofotes, mas que se movimenta de formas profundas, pois ao pisar do lado de baixo considerou a dor dos que sofrem maior que a sua.
Os(as) “anônimos(as)” que não tivemos o prazer de conhecê-los estão a esta hora minimizando a dor e sofrimento, que muitas vezes o Estado gera, que muitas vezes os partidos não enxergam ou lembram em épocas de campanha, ou até enxergam, mas esquecem quando a sedução do poder faz mudar a consciência. Os(as) “anônimos(as)” naquele velho nós por nós, estão construindo a utopia neste momento, estão fazendo os pobres e mais pobres sentirem no hoje, as teorias que muitos explicam pro futuro.
Os(as) “anônimos(as)” estão alimentando os famintos, estão enterrando as pessoas que o Estado insiste em matar pela sua cor ou condição, estão com os indígenas, estão em Chiapas, em Rojava, no Nordeste, debaixo de viadutos, nas malocas, espalhados por este planeta, com as mulheres que sofrem diversas violências, com as pessoas que por serem pobres são vistas com desprezo. Os(as) “anônimos(as)” não estarão nos livros oficiais, pois as versões oficiais preferem os heróis, ao invés, das coletividades, alimentam os indivíduos no lugar da luta conjunta, pois desde a infância somos ensinados a um acima os outros, não nos ensinam o prazer de ser mais um em construções coletivas, onde sempre temos mais a aprender do que ensinar.
Em todo o texto utilizo os(as) “anônimos(as)” entre aspas, uso desta forma porque foram “anônimos(as)”, somente para os meios, redes ou espetáculo, mas foram conhecidos e presentes nas micro revoluções diárias, presentes no coração dos pobres e mais pobres, foram na contra mão de um mundo que insiste em ser vertical, entenderam as lutas de forma coletiva, se preocuparam mais com os pobres e vítimas do sistema que com a fama. Estiveram realizando a política diária, essa da vida, mostraram que a luta é histórica e a aceitaram desta forma, pessoas que não tivemos o prazer de conhecer, mas que começaram a revolução no dia a dia, no hoje, no já, sentiram o mundo possível no presente, entenderam que as aspirações individuais não podem ser maiores que as lutas coletivas, porque todos nós precisamos de todos nós.
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